sábado, 6 de janeiro de 2018

Jesus e a Inquisição

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Em 1496 o Rei Aragão da Espanha decide realizar um censo demográfico no reino para saber o tamanho e perfil social dos seus súditos. Um pesquisador de Toledo chamado Pablo Dominguez bate na porta de uma casa humilde e trava o seguinte diálogo com o seu ocupante:
- Estou aqui em nome de sua majestade o Rei Aragão para realizar uma pesquisa, farei algumas perguntas para o senhor. Posso começar?

O morador balançou a cabeça afirmativamente.
-Nome?
-Jesus Ben Iossef
-Idade?
-30 anos
-Nome do pai e mãe?
-José e Maria
-Local de Nascimento?
-Bem a primeira vez em Nazaré, agora em Toledo na Espanha.
-Não entendi, mas tudo bem. Vou escrever Toledo. Religião?
-Judeu
- Judeu? Como assim? Você não sabe que isto aqui é crime de heresia e você pode ser condenado a ser queimado na fogueira pelo Tribunal da Inquisição? Está maluco, quer morrer?
- Morrer por quê, o que fiz de errado?
- Você é um herege, e isto é considerado crime pela igreja. Tem certeza que é judeu, não seria cristão novo?
- Bem eu não sei o que é cristão, mas posso afirmar que sou judeu velho.
- Ora cristão é aquele que segue os ensinamentos de Jesus.
- Você está dizendo que cristãos são pessoas que seguem o que falei? Se for isso, elas deveriam ser judias, pois eu nunca fui cristão e sim judeu essênio, nasci e morri judeu.
- Você está insinuando que é Jesus, o mentor espiritual do cristianismo?
- Não sei se sou mentor de algo, só sei que nasci dentro de uma família judia, e como tal, obviamente, fui circuncidado, fiz bar-mizva e na minha casa tinha uma mezuzah. O que aconteceu é que discordava da forma como a religião era conduzida por alguns sacerdotes, achava que eram muito mercantilistas, aí virei dissidente.

- Mas e o cristianismo? Não foi você quem criou?

- Não, quem criou foram meus biógrafos e, diga-se de passagem, é uma biografia não autorizada, espero que algum dia apareça alguém para dar um basta nisso. Eu pregava a paz e amor e uma nova forma de se praticar o judaísmo, como os fariseus, zelotes e saduceus, todos judeus, também faziam. Roma ficou preocupada com as ações que desenvolvia, me considerava um subversivo, pois pregava contra os poderosos e as injustiças sociais, mas o número de seguidores aumentava.

- Deixa ver se entendi bem. Você está dizendo que é Jesus Cristo reencarnado e que não é cristão e sim judeu? É isso, falou o pesquisador com os olhos arregalados.

- Sim, é isso mesmo. Agora deixa fazer umas perguntas. O rei Aragão está mandando para fogueira aqueles que não professam meus ensinamentos? E desde quando eu disse que todos tem que ter mesma religião? Em que momento falei que quem não seguisse os meus ensinamentos teriam que morrer? E, por último, tudo que preguei estava situado dentro do contexto da Torah, do judaísmo. Por que criaram uma nova religião se eu mesmo, embora dissidente, nunca me afastei do judaísmo? Ou seja, todos que seguem meus ensinamentos deveriam ser considerados judeus, inclusive o rei Aragão.
O pesquisador estava assustado com a revelação, não sabia o que pensar ou aquele sujeito era um judeu maluco ou estava diante de Jesus reencarnado que dizia ser judeu e, pior, negava o cristianismo e propunha um neo judaísmo. De qualquer forma, todas as hipóteses eram perigosas para ele, se descobrissem iria para a fogueira.

- Eu acho melhor não expor isso publicamente, você deve dizer para todo mundo que é cristão novo, se não vai morrer na fogueira. Em nome da fé cristã já foram queimados mais de 2.000 judeus na Espanha e 170.000 foram expulsos do país.

 -Me recuso compactuar com isto, é contra os meus princípios, então se for assim, só me resta um caminho, fazer o que realizei há 1500 anos, denunciar os sacerdotes da igreja e combater o catolicismo.

-???!! Adeus, ou melhor, na dúvida para evitar equívocos com Há Deus? trocou a saudação de despedida por até um dia. Pablo foi embora pensando seriamente em pedir demissão.

A estória do Jesus ressuscitado rapidamente se espalhou pelo reinado até porque ele não escondia isto. Sua pregação contra os poderosos foi mais virulenta do que no passado. Ficou indignado quando viu o luxo e a opulência da Catedral de Sevilha, cujos recursos, pensou, poderiam ter sidos empregados para ajudar os necessitados, ficou revoltado com o afastamento dos sacerdotes do povo e a sua aproximação e cumplicidade com os reis e nobres, o que contribuía para aumentar a riqueza deles e da própria igreja e, também, quando soube que a igreja vendia penitencias a peso de ouro para aliviar a barra de quem pecou ou queria algo, o que o estarreceu, pois a sua luta começou justamente no combate ao mercantilismo impregnado na religião.

Suas prédicas contra os poderosos e os vendilhões do templo ganhavam adeptos junto à população, deixando intranquilos os cardeais e a coroa espanhola que temiam que o discurso desse Jesus judeu pudesse subverter a paz e ordem social do reino.

Assim veio uma ordem para prendê-lo sob a acusação de subversão e de praticar um neo judaísmo, despojado, sem rituais luxuosos e pompas e voltado para os pobres e não para os nobres e poderosos. Vai ver que é isto, pensou Jesus, quando falei que a religião tinha que se voltar para os pobres, os poderosos entenderam nobres, foi aí que a coisa começou a desandar.

Como se recusasse a se converter a religião católica, Jesus foi condenado pelo Santo Ofício aos 33 anos de idade a morrer queimado na fogueira. Pela segunda vez, mas com sinais trocados, a estória se repetia

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