Gestão moderna e compartilhada, o começo do fim
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Coisa Ruim, temido chefe do tráfico do
morro da Coroa Velha, estava deprimido com a situação do seu negócio, ele se encontrava à
beira da falência, a outra facção, que era chefiada por um bandido mequetrefe,
sempre o respeitou, mas agora cheirando a sua decadência estava se preparando
para tomar seus pontos e expulsá-lo do morro, e o pior de tudo é que ele era o
maior culpado pela situação.
Tudo começou quando teve um apagão
mental, só pode ter sido isto, e resolveu seguir os conselhos do governo ao ver
na televisão uma propaganda que mostrava as vantagens que a formalização propiciava para as empresas e seu empregados. Isto fez
acontecer nele algo nunca ocorrido antes: um gesto de humanidade. Pensou que a
formalização poderia não só contribuir para melhorar a vida do pessoal que
trabalhava nas bocas, como também gerar impostos para o governo realizar obras
sociais. Tudo isto somado, mais o fato que políticos que prejudicam a população
desviando recursos da merenda escolar, saúde e educação, coisas que ele nunca
fez, transitavam livremente e ainda por cima eram paparicados pela sociedade,
alguns viram ministros, foram fatores determinantes para ele dar uma guinada
para tentar virar um empresário respeitado.
O começo da decadência financeira
aconteceu há 18 meses quando iniciou o processo para tirar as bocas de fumo da
informalidade. Por orientação de um consultor criou duas empresas, uma voltada
para área industrial que deu o nome de Good Dreams e outra responsável pela
área comercial, a Viagem Feliz, registrada como agência de turismo. O consultor criou
um modelo moderno de governança para elas onde
constam metas estratégicas e de produtividade, definições de atribuições,
organograma detalhado, incluindo uma área esquisita que tinha o nome de
compliance, até hoje não sabe o que é, mas gostava da palavra, ela dava um
certo status, acreditava.
Só que ninguém falou que para criar as empresas teria
que tirar dezenas de documentos e certidões nos órgãos da prefeitura e do
estado. Para obter o alvará teve que apresentar o habite-se de todas as bocas
de fumo, o que o obrigou a pagar uma pequena fortuna por fora nos diversos
órgãos, pois era impossível cumprir uma única exigência, por mais simples que fosse.
Depois que criou as empresas o contador
enumerou as diversas taxas e impostos que elas teriam que pagar,
como Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, CSLL,
COFINS, PIS, Previdência, ICMS, ISS, bem como assinar a carteira de
trabalho dos 235 "colaboradores" (parece que a palavra empregado está fora de moda) que trabalhavam como olheiro, empacotador, aviãozinho e segurança
nas diversas bocas, o que significa pagar décimo terceiro, auxilio alimentação,
licença maternidade, vale transporte, salário educação, FGTS,
INSS, adicional de férias, hora extra, repouso remunerado, Sistema S,
feriado, rescisão contratual, salário família, auxílio pré-escolar, e
indenização por tempo de serviço.
Com isto o preço de venda do produto
passou a não cobrir mais os custos, embora não seja tabelado, a concorrência é
grande, as empresas começaram a ter prejuízo, o salário dos trabalhadores
atrasou, e eles, em protesto, fizeram operação padrão, o empacotamento de
trouxinha passou de 2.000 unidades para 200 por dia, neste meio tempo apareceu
uma central sindical apoiando as suas reivindicações, como pagamento de
insalubridade e licença maternidade de 120 dias para ambos os parceiros, no
final acabaram fazendo greve. Era só o que faltava, aviãozinho fazendo greve!
Desesperado, contratou outro consultor,
conhecido como coach, achava que este era o sobrenome dele, que sugeriu
automatizar a área de produção e empacotamento, substituindo pessoas por robôs,
dispensar os olheiros colocando câmaras eletrônicas nos pontos de entrada da
favela, terceirizar a segurança, melhorar o marketing e diversificar os canais
de distribuição. Segundo ele, as medidas possibilitaria reduzir em 30% os
custos operacionais e 60% o quadro de pessoal. Mas isto já estava naturalmente
acontecendo, como não recebiam há cinco meses, grande parte pediu demissão e foi
trabalhar para o chefe do tráfico da quadrilha rival, além de terem dado
entrada numa ação coletiva na justiça do trabalho reclamando os salários
atrasados e os direitos não pagos.
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