segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A Boca de Fumo e o Custo Brasil

Gestão moderna e compartilhada, o começo do fim
Coisa Ruim, temido chefe do tráfico do morro da Coroa Velha, estava deprimido com a situação do seu negócio, ele se encontrava à beira da falência, a outra facção, que era chefiada por um bandido mequetrefe, sempre o respeitou, mas agora cheirando a sua decadência estava se preparando para tomar seus pontos e expulsá-lo do morro, e o pior de tudo é que ele era o maior culpado pela situação.

Tudo começou quando teve um apagão mental, só pode ter sido isto, e resolveu seguir os conselhos do governo ao ver na televisão uma propaganda que mostrava as vantagens que a formalização propiciava para as empresas e seu empregados. Isto fez acontecer nele algo nunca ocorrido antes: um gesto de humanidade. Pensou que a formalização poderia não só contribuir para melhorar a vida do pessoal que trabalhava nas bocas, como também gerar impostos para o governo realizar obras sociais. Tudo isto somado, mais o fato que políticos que prejudicam a população desviando recursos da merenda escolar, saúde e educação, coisas que ele nunca fez, transitavam livremente e ainda por cima eram paparicados pela sociedade, alguns viram ministros, foram fatores determinantes para ele dar uma guinada para tentar virar um empresário respeitado.

O começo da decadência financeira aconteceu há 18 meses quando iniciou o processo para tirar as bocas de fumo da informalidade. Por orientação de um consultor criou duas empresas, uma voltada para área industrial que deu o nome de Good Dreams e outra responsável pela área comercial, a Viagem Feliz, registrada como agência de turismo. O consultor criou um modelo moderno de governança para elas onde constam metas estratégicas e de produtividade, definições de atribuições, organograma detalhado, incluindo uma área esquisita que tinha o nome de  compliance, até hoje não sabe o que é, mas gostava da palavra, ela dava um certo status, acreditava. 

Só que ninguém falou que para criar as empresas teria que tirar dezenas de documentos e certidões nos órgãos da prefeitura e do estado. Para obter o alvará teve que apresentar o habite-se de todas as bocas de fumo, o que o obrigou a pagar uma pequena fortuna por fora nos diversos órgãos,  pois era impossível cumprir uma única exigência, por mais simples que fosse.

Depois que criou as empresas o contador enumerou  as diversas taxas e impostos que elas teriam que pagar, como Imposto de Renda, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, CSLL, COFINS, PIS, Previdência, ICMS, ISS, bem como assinar a carteira de trabalho dos 235 "colaboradores" (parece que a palavra empregado está fora de moda) que trabalhavam como olheiro, empacotador, aviãozinho e segurança nas diversas bocas, o que significa pagar décimo terceiro, auxilio alimentação, licença maternidade, vale transporte, salário educação, FGTS, INSS, adicional de férias, hora extra, repouso remunerado, Sistema S, feriado, rescisão contratual, salário família, auxílio pré-escolar, e indenização por tempo de serviço.

Com isto o preço de venda do produto passou a não cobrir mais os custos, embora não seja tabelado, a concorrência é grande, as empresas começaram a ter prejuízo, o salário dos trabalhadores atrasou, e eles, em protesto, fizeram operação padrão, o empacotamento de trouxinha passou de 2.000 unidades para 200 por dia, neste meio tempo apareceu uma central sindical apoiando as suas reivindicações, como pagamento de insalubridade e licença maternidade de 120 dias para ambos os parceiros, no final acabaram fazendo greve. Era só o que faltava, aviãozinho fazendo greve!

Desesperado, contratou outro consultor, conhecido como coach, achava que este era o sobrenome dele, que sugeriu automatizar a área de produção e empacotamento, substituindo pessoas por robôs, dispensar os olheiros colocando câmaras eletrônicas nos pontos de entrada da favela, terceirizar a segurança, melhorar o marketing e diversificar os canais de distribuição. Segundo ele, as medidas possibilitaria reduzir em 30% os custos operacionais e 60% o quadro de pessoal. Mas isto já estava naturalmente acontecendo, como não recebiam há cinco meses, grande parte pediu demissão e foi trabalhar para o chefe do tráfico da quadrilha rival, além de terem dado entrada numa ação coletiva na justiça do trabalho reclamando os salários atrasados e os direitos não pagos.

Teve ainda que aturar os "ex-colaboradores" dizer que preferiam os tempos da clandestinidade, quando o salário nunca atrasava e ainda ganhavam bônus de produtividade. A verdade é que ele faliu, ficou desmoralizado no morro, está sendo expulso do tráfico, sem ser aceito no mundo da bandidagem chapa branca, mas ficou a lição e o aviso para o governo Dilma: nem boca de fumo aguenta o custo Brasil.


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