domingo, 21 de junho de 2015

Confissões de Um Defunto

Velório Virou Happening
Morri antes da hora, justamente quando estava me inspirando para escrever uma crônica favorável ao governo Dilma, precisava só de mais um dia, mas o pessoal lá em cima não deu prorrogação, acabou o jogo no tempo regulamentar. 

Pensando bem foi melhor ter desencarnado - a garotada não usa o termo desencarnar, e sim fazer upload - antes de escrever a crônica, assim não corro o risco dos amigos encarnarem em mim achando que pirei ou que estou levando algum da Odebrecht para elogiar o governo. Nem uma coisa, nem outra, a verdade é que comecei a simpatizar com a presidenta depois que ela passou a andar de bicicleta e como gosto de magrela, no caso a bike e não ela que está magrinha e, também, porque torço para que o Brasil dê certo.

O que uma coisa tem haver com outra? Simples, enquanto ela tá na rua pedalando não está governando, as pedaladas são físicas e não fiscais, e isto é bom para o país, para a forma física dela e, adicionalmente, ajuda a sua impopularidade se estabilizar dez centímetros antes de chegar ao fundo do poço. No mais, o fato surreal de eu ter tido que desencarnar para evitar ser encarnado.

Agora estou aqui deitado neste caixão com um monte de gente em volta que não via há muito tempo, algumas até achava que já tinha morrido, e outras nem lembro mais. Fui antes deles, é verdade, mas pelo visual de alguns que circulam sorridentes, não demora muito terei companhia. E o que dizer do exagero das coroas de flores em cima de mim, logo eu que tenho alergia a pólen, ainda bem que morri, se não estaria espirrando sem parar, o que mostra que morrer tem suas compensações.

Alias velório é tudo igual, enquanto tem meia dúzia de pessoas paira uma certa  solenidade, todos com caras tristes e pesarosos, à medida que vai enchendo vira reunião social, o cidadão que tá ali deitado deixa de ser defunto e vira anfitrião, as pessoas chegam olham rapidamente para ele com semblante compungido, balbuciam qualquer coisa, que tanto pode ser gente boa, como canalha, dão meia volta e vão para o que interessa, fazer social.

Na verdade o velório virou um dia de congraçamento, bem melhor que casamentos em que as pessoas prestigiam com a certeza que daqui a pouco vai acabar e terão que voltar de novo para se solidarizar com a repetição do erro dele ou dela, mas velório não, a morte é para sempre, o cidadão que está ali deitado inerte não vai sacanear os presentes, todos tem certeza que ele não irá reviver e morrer de novo. Aqueles que vieram participar, ou melhor, comemorar o velório, aproveitam para atualizar o papo, marcar programa, fazer negócios, azarar, enfim, uma grande festa e eu aqui imóvel, sem poder dar meus pitacos. Repasso alguns fragmentos das conversas que consegui ouvir que rolou na minha festa de despedida: Malbec melhor custo benefício, Lidador, Estação Botafogo neste fim de semana; impeachment da Dilma, Neymar, Flamengo... (inaudível) compras, Miami, High Line, Capadócia, botox, silicone, surreal, perua, vou embora do país, vamos dar um pulo no me apartamento depois do enterro...

Fiquei surpreso de ver o Cadú no velório, nos últimos meses fugia de mim como a Dilma das manifestações públicas, me devia uma grana preta, agora o filho da puta está na minha frente me olhando com ar de pesar, mas, no fundo, deve estar feliz e aliviado.

Nunca esquentei muito a cabeça se existe reencarnação, e ainda não posso dar a resposta a isso porque estou a caminho, não cheguei lá em cima. Meu medo e ela existir e eu voltar em forma de lesma ou mosquito da dengue, o que significa que serei perseguido por todos ou, pior ainda, poderei voltar em forma de político, que no Brasil é o rejeitado alfa, tá no topo da pirâmide, acima do mosquito da dengue, que só existe porque o rejeitado alfa desvia dinheiro do saneamento.

Alias, quem foi o infeliz que teve a ideia de colocar este terno jaquetão tecido xadrez old fashion em mim, fiquei meio ridículo, só faltou besuntar meu cabelo com brilhantina. Podia ter botado algo mais descontraído, condizente com o clima alegre das pessoas que estão no velório, um traje casual ou, para radicalizar, uma roupa de mergulho, incluindo máscara e snorkel. Sabe como é, a última imagem é a que fica, e como as anteriores no plano terreno não foram muito boas, podiam ter caprichado no último visual consultando um personal stylist de velórios. Só espero que ninguém tenha a infeliz ideia de fazer um selfie comigo


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