Velório Virou Happening |
Morri antes da hora, justamente
quando estava me inspirando para escrever uma crônica favorável ao governo
Dilma, precisava só de mais um dia, mas o pessoal lá em cima não deu
prorrogação, acabou o jogo no tempo regulamentar.
Pensando bem foi melhor ter
desencarnado - a garotada não usa o termo desencarnar, e sim fazer upload - antes de escrever a crônica, assim não corro o risco dos amigos encarnarem em
mim achando que pirei ou que estou levando algum da Odebrecht para elogiar o
governo. Nem uma coisa, nem outra, a verdade é que comecei a simpatizar com a
presidenta depois que ela passou a andar de bicicleta e como gosto de magrela,
no caso a bike e não ela que está magrinha e, também, porque torço para que o
Brasil dê certo.
O que uma coisa tem haver com
outra? Simples, enquanto ela tá na rua pedalando não está governando, as pedaladas são físicas e não fiscais, e isto é
bom para o país, para a forma física dela e, adicionalmente, ajuda a sua
impopularidade se estabilizar dez centímetros antes de chegar ao fundo do poço. No mais, o fato surreal de eu ter tido que desencarnar para evitar ser encarnado.
Agora estou aqui deitado neste
caixão com um monte de gente em volta que não via há muito tempo, algumas até
achava que já tinha morrido, e outras nem lembro mais. Fui antes deles, é
verdade, mas pelo visual de alguns que circulam sorridentes, não demora muito
terei companhia. E o que dizer do exagero das coroas de flores em cima de mim, logo eu que tenho alergia a pólen, ainda bem que morri, se não estaria espirrando sem parar, o que mostra que morrer tem suas compensações.
Alias velório é tudo igual,
enquanto tem meia dúzia de pessoas paira uma certa solenidade, todos com
caras tristes e pesarosos, à medida que vai enchendo vira reunião social, o
cidadão que tá ali deitado deixa de ser defunto e vira anfitrião, as pessoas
chegam olham rapidamente para ele com semblante compungido, balbuciam qualquer
coisa, que tanto pode ser gente boa, como canalha, dão meia volta e vão para o
que interessa, fazer social.
Na verdade o velório virou um dia
de congraçamento, bem melhor que casamentos em que as pessoas prestigiam com a
certeza que daqui a pouco vai acabar e terão que voltar de novo para se
solidarizar com a repetição do erro dele ou dela, mas velório não, a morte é
para sempre, o cidadão que está ali deitado inerte não vai sacanear os
presentes, todos tem certeza que ele não irá reviver e morrer de novo. Aqueles
que vieram participar, ou melhor, comemorar o velório, aproveitam para
atualizar o papo, marcar programa, fazer negócios, azarar, enfim, uma grande
festa e eu aqui imóvel, sem poder dar meus pitacos. Repasso alguns fragmentos
das conversas que consegui ouvir que rolou na minha festa de despedida: Malbec
melhor custo benefício, Lidador, Estação Botafogo neste fim de semana;
impeachment da Dilma, Neymar, Flamengo... (inaudível) compras, Miami, High Line,
Capadócia, botox, silicone, surreal, perua, vou embora do país, vamos dar um pulo no
me apartamento depois do enterro...
Fiquei surpreso de ver o Cadú no
velório, nos últimos meses fugia de mim como a Dilma das manifestações
públicas, me devia uma grana preta, agora o filho da puta está na minha frente
me olhando com ar de pesar, mas, no fundo, deve estar feliz e aliviado.
Nunca esquentei muito a cabeça se
existe reencarnação, e ainda não posso dar a resposta a isso porque estou a
caminho, não cheguei lá em cima. Meu medo e ela existir e eu voltar em forma de
lesma ou mosquito da dengue, o que significa que serei perseguido por todos ou,
pior ainda, poderei voltar em forma de político, que no Brasil é o rejeitado
alfa, tá no topo da pirâmide, acima do mosquito da dengue, que só existe porque
o rejeitado alfa desvia dinheiro do saneamento.
Muito bom.
ResponderExcluirMuito bom.
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