segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Carta Escrita Por Franklin Martins Endereçada para Ele


Estou em 1989, escrevo esta carta para mim mesmo,  não sei quando irei recebê-la, só espero que chegue as minhas mãos em tempo hábil.  Seu texto é um alerta para que não se repita no futuro as práticas políticas vigentes no Brasil de Sarney, Maluf, Barbalho, Quércia e outros do mesmo time, que se pauta no trinômio populismo, corrupção e nepotismo. 
É duro presenciar isto, logo eu que fui para a clandestinidade lutar contra a ditadura militar com a intenção de derrubá-la e colocar no seu lugar uma outra, a comunista, que é tão fascista como a da direita, mas, com uma diferença, é do povo, é libertadora (desde que a pessoa não vá presa ou não seja sumariamente fuzilada). Por idealismo de um Brasil melhor sequestrei embaixador, roubei bancos, fiz assalto a carro pagador com o objetivo de obter dinheiro para financiar a luta armada contra a ditadura militar, fui preso, depois o exílio, voltei e ajudei a restabelecer a democracia no Brasil, entrei para o PT.
Como estava dizendo, o nível da política chegou ao fundo do poço, nunca na história deste país se viu tanta roubalheira e é por isso envio esta carta para mim no futuro, para que sirva de alerta e me estimule a continuar lutando para que tais práticas nunca mais aconteçam no país. 
 Nesta carta tentarei resumir o quadro político atual, extraído  de um artigo que  escrevi para o Jornal do Brasil neste ano, 1989:

1-     A compra de votos, abuso do poder econômico e a utilização da máquina pública são moedas correntes na disputa eleitoral e, o que é pior, ninguém tem problema com a justiça;

2-     Para a maioria o importante é vencer as eleições, custe o que custar, se for necessário insulte-se o adversário, minta-se para os eleitores, se o preço da vitória for enganar o cidadão comum, paga-se, afinal trouxa existe para isso;

3-     Fiquei horrorizado quando Paulo Maluf disse que nas eleições vale tudo, só não vale perder;

4-     Os deputados e senadores, que gastaram milhões de dólares para se elegerem passeiam nos corredores do Congresso, são chamados de vossas excelências e gozam de imunidade parlamentar, foram bem sucedidos, afinal jogaram com a regra do jogo;

5-     Olha o tamanho do absurdo: em 1988 teve uma tremenda cheia no Acre,  morreram muitas pessoas e milhares ficaram desabrigadas. Sabe o que fez o governador Flaviano de Mello do PMDB? Segurou a distribuição dos alimentos doados por organizações humanitárias, o que só foi feita meses depois através de correligionários, na véspera da eleição de outubro, é aquele negócio os amigos do governador precisam se eleger e nada melhor do que trocar de leite em pó por votos;

6-     Este tipo de estelionato faz o eleitor achar que eleição não serve para nada;

7-     Os espertalhões só podem ser afastados da política por aqueles que já perceberam sua trapaça, inclusive os que caíram no conto do vigário uma vez e aprenderam com a experiência. Mal ou bem o povo tem a chance, no voto, de mudar a vida política do país.

8-     Para finalizar: quatro dias após eleger 22 governadores e a maioria no Congresso, o presidente José Sarney mandou o congelamento de preços às favas, os votos estavam dados e os otários já haviam cumprido o seu papel.

Você deve estar chocado com o relato, acredito que nunca viu nada parecido, mas, tenho certeza que quando o PT chegar ao poder certamente isto vai mudar, nossa gestão irá se pautar na ética, honestidade e competência, as indicações políticas e nepotismo não mais existirão, a burguesia, os empreiteiros corruptos, os banqueiros e o capital estrangeiro espoliador serão varridos do mapa.

A luta continua camarada, contamos com você aí no futuro.

Ass. Franklin Martins - Julho de1989

Resposta:

Caro Franklin ou Caro Eu no Passado

Informo que a sua carta tinha que ter chegado até 2002, mas, infelizmente, só me foi entregue em julho de 2015, culpa dos Correios que está totalmente aparelhado pelos companheiros. Sabe o que significa este atraso? Usando o idioma francês que aprendi quando estávamos exilados na França - la vache est allé au marais ou a vaca foi para o brejo, à carta chegou tarde demais.

Você vai ficar decepcionado, mas tudo que relatou continua acontecendo, só que numa escala tsunâmica. A única coisa que mudou para melhor foi o que escreveu no item 1 da carta: hoje as pessoas tem problemas com a justiça  por conta de estelionato eleitoral e corrupção.

Agora percebo que quando os companheiros criticavam as práticas políticas fisiológicas e corruptas dos partidos burgueses conservadores de direita, estavam, também, aprendendo como fazer para se perpetuar no poder, como usar a máquina administrativa em prol do no$$o projeto político, que incluía enganar os otários distribuindo vários tipos de bolsas capilé em troca de votos, quer dizer, o objetivo primeiro podia não ser este, mas o resultado, sim.

Éramos críticos ferozes e, ao mesmo tempo, alunos aplicados de tudo que tá aí, ou estava lá, passamos com louvor nas matérias ligadas a superfaturamento, esquemas off shore de remessa de grana, a utilização do patrimonialismo, nepotismo e desvio de recursos como instrumentos para se perpetuar no poder e botar algum no bolso, ato que quando praticado pela esquerda que deve ser considerado ideológico, libertador, feito em nome dos trabalhadores, afinal não é este o nome do nosso Partido, não são eles que nomeamos nas estatais e nos fundos de pensão?

Não posso escrever mais, pois tenho que ir agora para Curitiba para visitar o Zé Dirceu, nosso companheiro que também foi para a luta armada para mudar o Brasil, ele anda meio deprimido, sofre do Mal de Moro. De certa forma conseguimos mudar o país, só que para pior.

Rasgue e queime tudo que escrevi sobre ética e honestidade na política. A luta continua.

Abraço
Franklin Martins - Agosto de 2015 

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