Estou em 1989, escrevo esta carta para
mim mesmo, não sei quando irei recebê-la, só espero que chegue as
minhas mãos em tempo hábil. Seu texto é
um alerta para que não se repita no futuro as práticas políticas vigentes no
Brasil de Sarney, Maluf, Barbalho, Quércia e outros do mesmo time, que se pauta no trinômio populismo, corrupção e nepotismo.
É duro presenciar isto, logo eu que fui para a clandestinidade lutar contra a ditadura militar com a intenção
de derrubá-la e colocar no seu lugar uma outra, a comunista, que é tão fascista como a da direita, mas, com uma diferença, é do povo, é libertadora (desde que a pessoa não vá presa ou não seja sumariamente fuzilada). Por idealismo de um Brasil melhor sequestrei embaixador, roubei bancos, fiz assalto a carro pagador com o
objetivo de obter dinheiro para financiar a luta armada contra a ditadura
militar, fui preso, depois o exílio, voltei e ajudei a restabelecer a
democracia no Brasil, entrei para o PT.
Como estava dizendo, o nível da
política chegou ao fundo do poço, nunca na história deste país se viu tanta
roubalheira e é por isso envio esta carta para mim no futuro, para que sirva de alerta e me estimule a continuar lutando para que tais práticas nunca mais aconteçam no país.
Nesta carta tentarei resumir o quadro político atual, extraído de um artigo que escrevi para o Jornal do Brasil neste ano,
1989:
1-
A compra de votos, abuso do poder
econômico e a utilização da máquina pública são moedas correntes na disputa
eleitoral e, o que é pior, ninguém tem problema com a justiça;
2-
Para a maioria o importante é vencer
as eleições, custe o que custar, se for necessário insulte-se o adversário,
minta-se para os eleitores, se o preço da vitória for enganar o cidadão comum,
paga-se, afinal trouxa existe para isso;
3-
Fiquei horrorizado quando Paulo
Maluf disse que nas eleições vale tudo, só não vale perder;
4-
Os deputados e senadores, que
gastaram milhões de dólares para se elegerem passeiam nos corredores do
Congresso, são chamados de vossas excelências e gozam de imunidade parlamentar,
foram bem sucedidos, afinal jogaram com a regra do jogo;
5-
Olha o tamanho do absurdo: em 1988 teve
uma tremenda cheia no Acre, morreram muitas
pessoas e milhares ficaram desabrigadas. Sabe o que fez o governador Flaviano
de Mello do PMDB? Segurou a distribuição dos alimentos doados por organizações
humanitárias, o que só foi feita meses depois através de correligionários, na
véspera da eleição de outubro, é aquele negócio os amigos do governador
precisam se eleger e nada melhor do que trocar de leite em pó por votos;
6-
Este tipo de estelionato faz o
eleitor achar que eleição não serve para nada;
7-
Os espertalhões só podem ser afastados
da política por aqueles que já perceberam sua trapaça, inclusive os que caíram
no conto do vigário uma vez e aprenderam com a experiência. Mal ou bem o povo
tem a chance, no voto, de mudar a vida política do país.
8-
Para finalizar: quatro dias após
eleger 22 governadores e a maioria no Congresso, o presidente José Sarney mandou
o congelamento de preços às favas, os votos estavam dados e os otários já
haviam cumprido o seu papel.
Você
deve estar chocado com o relato, acredito que nunca viu nada parecido, mas,
tenho certeza que quando o PT chegar ao poder certamente isto vai mudar, nossa
gestão irá se pautar na ética, honestidade e competência, as indicações
políticas e nepotismo não mais existirão, a burguesia, os empreiteiros
corruptos, os banqueiros e o capital estrangeiro espoliador serão varridos do mapa.
A
luta continua camarada, contamos com você aí no futuro.
Ass.
Franklin Martins - Julho de1989
Resposta:
Caro Franklin ou Caro Eu no Passado
Informo
que a sua carta tinha que ter chegado até 2002, mas, infelizmente, só me foi
entregue em julho de 2015, culpa dos Correios que está totalmente aparelhado
pelos companheiros. Sabe o que significa este atraso? Usando o idioma francês
que aprendi quando estávamos exilados na França - la vache est allé au marais
ou a vaca foi para o brejo, à carta chegou tarde demais.
Você
vai ficar decepcionado, mas tudo que relatou continua acontecendo, só que numa
escala tsunâmica. A única coisa que mudou para melhor foi o que escreveu no item 1 da carta: hoje as pessoas tem problemas com a justiça por conta de estelionato eleitoral e corrupção.
Agora percebo que quando os companheiros criticavam as práticas políticas fisiológicas e corruptas dos partidos burgueses conservadores de direita, estavam, também, aprendendo como fazer para se perpetuar no poder, como usar a máquina administrativa em prol do no$$o projeto político, que incluía enganar os otários distribuindo vários tipos de bolsas capilé em troca de votos, quer dizer, o objetivo primeiro podia não ser este, mas o resultado, sim.
Agora percebo que quando os companheiros criticavam as práticas políticas fisiológicas e corruptas dos partidos burgueses conservadores de direita, estavam, também, aprendendo como fazer para se perpetuar no poder, como usar a máquina administrativa em prol do no$$o projeto político, que incluía enganar os otários distribuindo vários tipos de bolsas capilé em troca de votos, quer dizer, o objetivo primeiro podia não ser este, mas o resultado, sim.
Éramos
críticos ferozes e, ao mesmo tempo, alunos aplicados de tudo que tá aí, ou estava lá, passamos
com louvor nas matérias ligadas a superfaturamento, esquemas off shore de
remessa de grana, a utilização do patrimonialismo, nepotismo e desvio de
recursos como instrumentos para se perpetuar no poder e botar algum no bolso, ato
que quando praticado pela esquerda que deve ser considerado ideológico, libertador, feito em nome dos trabalhadores,
afinal não é este o nome do nosso Partido, não são eles que nomeamos nas estatais e nos fundos de pensão?
Não
posso escrever mais, pois tenho que ir agora para Curitiba para visitar o Zé Dirceu,
nosso companheiro que também foi para a luta armada para mudar o Brasil, ele
anda meio deprimido, sofre do Mal de Moro. De certa forma conseguimos mudar o
país, só que para pior.
Rasgue
e queime tudo que escrevi sobre ética e honestidade na política. A luta continua.
Abraço
Franklin
Martins - Agosto de 2015
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